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Estima-se que um quarto da população portuguesa corre o risco de se tornar pobre (isto, se excluirmos os apoios sociais). Pobre, não miserável. Parece haver um debate social sobre a diferença entre pobreza e miséria.
A pobreza analisa-se olhando para a família onde estamos inseridos. Casal desempregado? A mais de meio caminho para a etiqueta da pobreza. Entende-se por miséria, a situação em que a pessoa ganha menos de 3700,00 EUR/ano.
Mas o desemprego não é única ou a principal causa dos milhares de novos pobres. O endividamento não permite que as pessoas se adaptem aos novos rendimentos e avancem com as suas vidas, agora não só desprovidas de luxos, mas também de bens essenciais. Na Grande Lisboa, um terço das crianças do ensino básico público tem carências alimentares.
O consumo é essencial para mover a economia, mas o consumismo exacerbado asfixia a sociedade. Mais cedo ou mais tarde pagamos a factura. Insurgem-se contra a Jonet por negar miséria em Portugal. Saiu-lhe mal a declaração. Ela deveria ser das pessoas que mais sabe sobre pobreza e miséria no nosso país.
Eu e tu podemos fazer caridade, é essencial nos tempos que correm. O Estado, esse, tem responsabilidades muito superiores. Os apoios sociais, que são vistos como uma despesa, deviam ser encarados como um benefício, um investimento. Se o Estado suporta a educação de uma criança, deve esperar dela o seu contributo anos mais tarde. Mas o Estado português não pensa em décadas, pensa em conjuntos de quatro anos e isso faz toda a diferença.
Por isso, libertem-se de preconceitos, de preguiças, de comodismos e arregacem as mangas. Não são precisas campanhas de solidariedade. Olhem e vejam. São verbos com significados distintos. Ajudem o próximo: o familiar que passa mal, o vizinho que só come sopa, o colega de trabalho que já não almoça…
Um povo com fome é um povo vulnerável, facilmente manipulado. Hitler prometeu acabar com a fome.
Durante anos estive sentada em secretárias com telefones, headsets e muitos números à frente. Sentia falta das letras, de textos em forma de desabafo. Com o passar dos anos, as palavras levaram mesmo sumido da minha vida, deixaram de bailar na mente, aguardando a sua transmissão para um documento Word ou um e-mail e apagaram-se. Restou a linguagem técnica, própria da profissão.
A escrita vinha apenas em situações de grande crise, uma espécie de Banco Alimentar Contra a Insanidade Mental. Foi assim em 2007, quando escrevia desenfreada ao som de Metallica para não ouvir o meu filho chorar e mandava mails aos colegas de trabalho para se divertirem. Eles riam-se e eu mantinha a lucidez.
Voltou a crise. Abracei-me às minhas palavras, como se não as visse há décadas, mimei-as e prometi-lhes amor eterno. A crise voltou mais forte, minou as ideias e os ideais, o dinheiro, o emprego, os valores e a abundância. Restam-nos duas coisas que não nos vão tirar: esperança e dignidade.
E não era de esperar? Pensamos sempre em deixar um mundo melhor para os nossos filhos, mas esquecemo-nos que a nossa obrigação é formá-los para melhorar o mundo.
Uma criança que não cresça rodeada de mimos, regras e respeito pelo próximo, dificilmente terá bom senso e serenidade. A sociedade dirige os seres para a única ambição de vencer e “ser alguém”, em vez de incutir objectivos simples como ser feliz e melhorar o mundo. Assim, dificilmente as criaturas crescem a respeitar o que é de todos.
Imaginem o que seria de Portugal se metade da nossa classe política tivesse tomado suplementos de mimo e respeito pelo próximo…