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...os coelhos põem ovos de chocolate.
...milhares de mulheres prometem fidelidade ao ginásio, até ao Verão.
...a Via Sacra é o caminho que nos leva do sofá à mesa das iguarias.
...a Paixão de Cristo foi Maria Madalena.
...para além de Cristo, também um tal de Sócrates ressuscitou nesta altura.
Aproveitar o tempo, quando se está desempregado, é fácil, por incrível que pareça. O difícil é ter tempo. É curar uma sede repentina de querer fazer tudo o que não se fez: o de estudar, ou voltar a estudar, de passear, de ler, de fazer desporto, de dormir a sesta, de beber um café com uma amiga, de cozinhar aquele prato que já não se fazia durante a semana, por falta de tempo, dar vida a um projecto que tínhamos na gaveta há anos. De repente, paramos, levantamos a cabeça e vemos que tempo é novamente um bem escasso.
Cada vez que tento combinar um encontro com “ex-combatentes” é um drama. Estamos todos atarefadíssimos, não nos encaixamos nos horários livres uns dos outros. É realmente dramático. Ele é cursos, formações, voluntariado, almoços e no meu caso acresce a recolha das crianças, que tem que ser feita às 17h. Emprego, nem vê-lo, mas trabalho, há muito.
Agora estou na fase dos cursos. Quero fazer um curso. Na falta de uma proposta de trabalho, aceitei a proposta de voluntariado. Ganhei pontos. Toda a gente me acha fantástica por isso. Aprendo pouco, pouco ou nada mudo a vida de alguém, mas o meu cv assiste de camarote e bate palmas. Agora quero um curso. Vai decorar lindamente o meu curriculum. Dá aquela sensação de correr na passadeira. Corro muito, suo, gemo, bufo, mas não saio do lugar.
E aí vai ela para a internet googolar um curso interessante. Sou caloira nestas andanças, não fazia a mínima ideia que havia tanta escolha, cursos que podem mudar a nossa existência para todo o sempre: “A arte de fazer churrasco”, “Nutrição Equestre”, “Busca de vida extraterrestre”, “A origem do Universo”, “O Misticismo”, “Child Nutrition and Cooking”, “As vacinas nas crianças”. Foi uma hora neste deleite. Deitei-me tarde, mas feliz por ter encontrado um novo sentido. Escolhi um. Já estou a imaginar quando tatuar o novo diploma no meu cv: um curso com nome pomposo dado pela University of Illinois ou Minnesota ou California ou whatever... sem sair do meu bunker. Tomem lá!
- Pai, hoje portei-me pessimamente bem!
Hã?!
- Mãe, compraste uma roupa nova! Pareces uma senhorinha!
???
“DESEMPREGADO MATA MULHER GRÁVIDA”. Não há bom jornalismo ou mau jornalismo, há jornalismo. E chamar a isto jornalismo é o mesmo que definir cristianismo como o grupo de fãs do Cristiano Ronaldo.
Mas esta não foi a única notícia do género do Correio da Manhã. Mas nem todas podem fazer primeira página. Também houve: “Trio de desempregados detido por roubos armados”. Trio de desempregados… Isto é poesia, não me lixem! A descrição de uma corja que se multiplica à velocidade da luz, quais ratazanas nos confins do Convento de Mafra.
Mas podemos ainda ler outra notícia (continuemos a chamar-lhe assim apenas por coerência, ou por coerência pela falta de coerência) em que o empregado de um café é esfaqueado por não dar tabaco fiado a um homem de 50 anos. Não devem ter conseguido apurar, até à hora do fecho, se o agressor estava inscrito no Centro de Emprego da sua zona. De outra forma, teriam certamente esmiuçado esta condição, que, segundo este jornal, parece ser sinónimo de personalidade violenta. Eu CONCORDO. Um desempregado é uma criatura esquisita, mesquinha, com maus fígados, com dificuldade em sorrir, sem motivos para cantorias e propensão para a agressão física. O seu lema é: antes matar que morrer. Só uma coisa o pode deter. E não é a polícia, é o emprego. Esse grande marialva, que tantas vezes nos leva a ficar esquisitos, mesquinhas, com maus fígados, dificuldade em sorrir, sem motivos para cantarolar e com vontade de bater em alguém.
CM, deixo sugestões de próximas manchetes (isto deve acontecer algures em Portugal, é só dar uma de jornalismo de investigação):
DESEMPREGADA MATA PARA ROUBAR PENSOS HIGIÉNICOS EM GASOLINEIRA;
DUO DE DESEMPREGADOS APEDREJAM SEDE DA SEGURANÇA SOCIAL E FEREM EMPREGADA;
DESEMPREGADO ROUBA CARRO E ATIRA-SE CONTRA SUCURSAL DA CGD;
Também eu ando numa fase em que parece que só me consigo entender com desempregados ou pessoas que já passaram pelo mesmo drama. O drama, o horror. Até já arranjei “amigos” virtuais que se identificam com o que escrevo. Porquê? Porque vivem na dúvida, na incerteza, na míngua de um trabalho milagrosamente melhor pago do que o ordenado mínimo. Porque se insurgem contra a hipocrisia do mundo profissional, com a maquilhagem do mercado de trabalho, onde o marketing do cv é rei. O pacote é bem mais atractivo do que o conteúdo. O pacote tem que ser bem vendido senão ninguém o compra, mesmo que seja bom. Viva o cv criativo. Já pensei em fazer uma BD do meu cv, mas achei que seria enfadonha tendo em conta que trabalhava num banco…
Para um certo tipo de pessoas, isto não é normal e, sobretudo, muito difícil de aceitar. Somos assim: gente estúpida, com mão e pé na consciência. Não vamos a lado nenhum. Nunca fomos. Se calhar por isso mesmo é que chegámos aqui.
Já cheguei ao ponto de confessar, alto e bom som, que não estou a trabalhar porque não quero. Soei como um coala a espreguiçar-se num tronco. É, provavelmente assim que muita gente me vê. Faço o que sempre fiz. O que sempre me levou à ruína: borrifo-me para eles todos.
Quero ter o privilégio de escolher minimamente o que quero fazer. Caramba, se tive uma trégua em 14 anos, então mal seria se não parasse para pensar no rumo que quero dar à vidinha. Há 15 anos, fui trabalhar para a Banca porque o jornalismo que fazia não era pago. Eram estágios atrás de estágios, atrás de estágios. Maravilhosas experiências que eu pagava para ter: Expo98 com press card ao pescoço, assistir de camarote aos treinos do Sporting, entrar em directo na rádio a cobrir uma manifestação de camionistas, ir em reportagem o dia inteiro. Quando achei que a escravatura tinha acabado, enfiei-me num bunker, para só voltar a ver a luz do dia em 2012. São decisões que se tomam que mudam a nossa vida.
Eu, que até acho que me expresso razoavelmente bem, não consigo fazer chegar o meu pensamento a muita boa gente. Só a quem já percorreu este trilho, com altos e baixos. Mais baixos do que altos, fazendo-nos sentir quase bipolares: uns dias em pasmo total e deleite pela vida, outros em depressão de arrancar cabelos.
Mexemos muitos mais músculos da cara quando nos chateamos do que quando sorrimos. Portanto, smile!
Ainda só passaram três meses desde que estou sem emprego (como diz uma amiga, eu trabalho tenho, e muito, não tenho é emprego) e já ando farta de tanta pergunta: se já arranjei alguma coisa, se já me mexi, se vi anúncios, se já mandei CVs, se já sei o que quero. A resposta é SIM às primeiras questões, NÃO à última. Ando desorientada com tanta mediocridade, tão pouca oferta, tão pouca qualidade, tão pouco salário. Já mandei muitos currículos, a maior parte para empresas que faço vigas para não me chamarem. Já achei que queria a área do sobreendividamento, a área social, área do ambiente, qualquer coisa, desde que fosse ao pé de casa, qualquer coisa, desde que fosse a partir de casa, escrever livros, negócio próprio, um sem número de ideias voadoras. Vão e vêm, à velocidade do neurónio.
Ando desiludida com o trabalho gratuito mascarado de voluntariado. Ando desiludida por alguém achar isso uma mais-valia para o curriculum. Ando desiludida por alguém achar que tenho que fazer um rewind de 15 anos, no filme da minha vida, e aceitar fazer estágios não remunerados. Eu não tenho 20 anos. Isso é um insulto à minha inteligência e à minha experiência profissional. E devia ser um insulto àqueles que o preconizam. Porque hoje eu, amanhã eles ou a mulher deles, ou o filho deles, ou o melhor amigo deles.
O problema parece ser que as pessoas que defendem o trabalho barato e sem regalias são os que ganham muito acima da média. Se a desculpa é a falta de qualificação, vamos reflectir: a senhora que limpava a minha casa ganhava perto de mil euros ao fim do mês, coisa que só conseguirei atingir novamente daqui a mais 15 anos. É como jogar monopoly e passar pela casa da partida 15 vezes. Ela não tinha qualificações. Na realidade, mal sabia construir uma frase sem decapitar sujeitos e predicados. Portanto, há quem não seja qualificado e ganhe dinheiro.
Acho que vou experimentar uma coisa muito na moda: vou pôr um anúncio a aceitar voluntários para higienistas. Deverá limpar a minha casa de graça durante uns meses (ou até se fartar) e em troca, ofereço integração em equipa dinâmica, bom ambiente de trabalho e a possibilidade de assinar contrato comigo, quiçá daqui a 15 anos. Porque o que interessa é não estar parado, é adquirir experiência profissional, mesmo que não leve a lado nenhum, mesmo que nos chulem até ao tutano. Estou certa que alguém vai achar interessante.
Toda esta situação assemelha-se a um funil. Quando chegar à parte estreita, vou ter que aceitar um emprego com condições cuja semelhança com o pré-25 de Abril será pura coincidência. Bem-aventurados os que nunca vão saber o que é viver num funil.
À porta da casa de um amigo, para uma festa de anos.
- Mãe, não ficas lá, ouviste? Entramos, eu fico e vais logo embora.
Chiça. Daqui a meia dúzia de anos, tenho de deixá-lo um quarteirão antes porque não quer ser visto comigo…
Agora com tempo para laurear a pevide, apercebo-me de mil e uma lojas, associações, instituições e serviços que não fazia ideia que existiam. Bancos alimentares e outros tipos de ajuda social com fartura. Ainda bem. Se um dia ficar mesmo sem nada, já sei onde me dirigir.
Esta semana fui à minha apresentação quinzenal do recluso. Ao lado, formava-se uma fila essencialmente de mulheres, com sacos recicláveis na mão. Caramba, estão a dar alguma coisa! Também quero! Feira social. Bate tudo e todas as feiras que possam conhecer. Tem um pouco de tudo, desde livros, artigos para wc, quinquilharias, brinquedos e roupa. Esta última é, sem dúvida, a que tem mais sucesso. Era vê-las a encher os sacos com roupa a 1, 2 euros. Parece pouco? Os saldos ali são a 20 cêntimos a peça. E não pensem que é roupa rota ou suja. É usada, mas em condições, com a dignidade lavada a 60 graus.
Felizmente, os portugueses já estão menos preconceituosos com a “segunda mão”, muito por “culpa” de OLX e afins. Ainda bem. Nos países do norte da Europa só compra novo quem não encontra usado e este é um mercado como outro qualquer, como os carros ou as casas. Ninguém diz: “Que nojo, um carro que foi usado por alguém!” ou “Que horror, esta casa deve cheirar mal, deve estar cheia de nódoas!” A minha está. Nódoas, riscos, marcas de pega-monstros, de bolas chutadas à parede, de mãos gordurosas de pão com manteiga. Enfim, um nojo. Ninguém vai querer comprar a minha casa! Lava-se. Lava-se a 60 graus e usa-se que a vida não está para esquisitices.
Vinte de Março, Dia Internacional da Felicidade. E o que é a felicidade? Será que somos mesmo nós que a fazemos?
Para mim, a felicidade não se constrói, entranha-se. Neste caso, pode confundir-se com conformismo. Sim, para mim, até certo ponto, é conformismo. A nossa vida é o que é. Podemos tentar melhorá-la, mudá-la, dar-lhe mais cor, mais pimenta, mais sal, mas será sempre como é. Aceitá-la é ser feliz. E quando isto não chegar, lutamos por uma mudança, um novo rumo. E quando a mudança chegar, ficamos felizes. Se nunca vier, felizes como antes. Há sempre tanta coisa na nossa vida que nos faz feliz. Muitas vezes, só quando as perdemos é que lhe atribuímos mais estima.
Por cada coisa má que apontamos à nossa existência, há muitas mais boas para enumerar. Eu, por exemplo, sou miserável porque os meus filhos não dormem. Mas sou riquíssima por terem saúde, serem inteligentes e darem os melhores beijinhos do mundo. Ando furiosa por não ter emprego, mas sorrio todos os dias por poder levar o meu filho de mão dada até à escola, sem correrias, ir buscá-los às cinco da tarde e brincar com eles antes do banho. Irrita-me passar horas por semana em versão “sopeira”, a limpar e a cozinhar. Mas salto de contente por ter tempo para espancar o meu computador e obrigá-lo a debitar prosa.
Perder o emprego é, segundo os psicólogos, uma das situações mais stressantes e traumáticas da vida de um adulto. Quando trabalhava, tabelava a minha felicidade, numa escala de zero a dez, num nove. Ficava a faltar tempo de qualidade com a família, durante a semana. Hoje em dia, continuo a atribuir-lhe um nove, por me faltar trabalho. Mas curiosamente esta mudança não teve, pelo menos até agora, o peso negativo que esperava. Estou a esconder a falta de emprego por trás da alegria de estar com a família? Se calhar. Mas o tempo é o bem mais precioso da nossa era e a felicidade é ver o lado bom da nossa vida, que é o que é.
A leitura e a audição aguçam-nos a imaginação. É por isso que amo a rádio e adoro ler. Neste dia do Pai li uma notícia que me pôs a magicar toda uma nova maneira de ser Pai. A Universidade de Newcastle vai ressuscitar um sapo extinto em 1983, o Rheobatrachus silus. O bicho tem a característica extraordinária de dar à luz pela boca.
Imaginem-se... a emprenhar pelos ouvidos e a dar à luz pela boca.
Feliz dia do Pai!