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Nunca tinha assistido a uma cerimónia de coroação. Esta foi curta, objectiva, pontual e civil. Demorou menos tempo do que um discurso de Vítor Gaspar.
Devo ser das poucas raparigas que, muito embora tenha brincado com o tema, nunca quis ser princesa. Nunca foi sinónimo de beleza, esplendor e deslumbramento. As coroas eram substituídas por bonés, os vestidos por calções e os sapatos por ténis. Ser controlada por uma agenda e lapidada para uma função, que é unicamente decoradora, não foi sonho acalentado, nem em brincadeiras de crianças.
Quis o destino ou a sorte ou o acaso que eu acabasse por ser a princesa cá de casa. Ou melhor, a gata borralheira, porque os sapatos de cristal não costumam entrar nestes pezinhos de porco.
Se eu fosse princesa, borrifava-me para os sapatos de cristal, arregaçava as mangas e ia para a rua servir o meu povo. As posições privilegiadas só deveriam ter esta serventia e não para passar modelitos de malas, sapatos, vestidos e penteados.
Na Holanda, uma das expressões que caracterizam a próxima rainha é “Dom Bontje”, que equivale a “loura burra”, a tal que apareceu na festa de recepção ao Pai Natal vestida com pele de guaxinim.
Aguardo com expectativa a rebelião das princesas, das que não se contentam em ser bibelot e contribuem para o bem-estar da população que representam, das que acenam com fervor e sinceridade sem medo de abanar os antebraços.
- Diz: mamã!
- Papá!
- Não. Mamã.
- Papá.
- Não, não: maa-mããã!
- Papá!
Chiça, que eles vêm todos formatados!
Percebi que somos uma família de bancários. O avô era bancário, o pai é bancário e a mãe foi e, pelos vistos, continua a ser bancária.
- Pai, qual é a tua profissão?
- Bancário.
- Bancário?! O que é que isso tem a ver com a tua profissão?
(??????????) – Trabalho num Banco.
- Ah, onde se guarda o dinheiro! Pensei que bancário fosse o que se senta no banco do jardim.
Não, querido, essa é a mãe. Eu é que sou a bancária, a tal que trabalhou na banca e que agora se abanca no banco do jardim, mas continua a bancar o jantar todos os dias. Também assento ideias enquanto me sento no assento do veículo (com acento), buscando tornar a busca de emprego num tempo bem empregue.
- Luís, o bebé está a chorar?
- Não, isto é a máquina de lavar loiça…
A isto chama-se trauma. Dos grandes.
Se os meus filhos dormissem, eu não estaria a escrever a esta hora. Se a ditadura não tivesse acabado, eu não escreveria de todo. Em 2011, 46% dos portugueses consideravam que se vivia melhor antes do 25 de Abril do que na actualidade. O povo não confia nos partidos, nos políticos e políticas, tão pouco está disposto a sacrificar-se pelo Estado.
Vamos ser objectivos. Vamos fazer o exercício que costumo fazer quando tenho dúvidas, muito embora não seja este o caso. Pego num bloco e faço uma lista de vantagens e desvantagens. Vamos riscar o que não havia:
Liberdade
Paz
Direitos dos trabalhadores
Expressão pública de opiniões
Prisões cheias
Despedimento facilitado
Emprego
Cultura livre
Serviço militar de quatro anos
Escolas mistas
A mortalidade infantil rondava as 50 mil crianças, agora são 5 mil. O analfabetismo era de cerca de 30%, agora é de 10%.
O meu pensamento estacionou nas duas primeiras linhas. Imagino a minha vida sem liberdade e o meu marido na guerra. Queremos o que não temos e damos valor apenas quando o perdemos. O 25 de Abril foi a revolução dos cravos e dos escravos.
O que diriam estes 46% se conseguíssemos fazer marchar atrás no tempo? Nada, senão acabam nos calabouços de uma prisão, com um PIDE a tentar queimar-lhe o cérebro e a dignidade.
Neste dia Mundial do Livro, enviei os meus escritos para mais uma editora. Toma! Não desisto, não porque me tenha em grande conta, mas porque desistir é o caminho mais fácil. Adivinhem de que clube sou?! Dos que não desistem, claro! A JK Rowling foi negada por mais de 20 editoras. Metade desses editores devem ter terminado com a vida ou estão num hospício a alucinar com o miúdo dos óculos e pauzinho na mão. Adoro o Potter e ainda mais por ter sido criado assim à maluca, enquanto uma mãe esperava a filha à porta da escola.
Uma vez li que temos mais probabilidade de ganhar o euromilhões do que ver editado um livro nosso. Mas pensei: se o Futre consegue porque é que eu também não posso escrever?! Ele tem uma clara desenvoltura oral, portanto, a escrita haveria de ter a mesma categoria.
O melhor casamento do mundo é entre o livro e a imaginação. Não discutem, não vivem um sem o outro. Mimam-se eternamente. Há que ter esperança. El português, ainda te apanho!
Reunião dos D.A., Desempregados Anónimos. A terapia de grupo é, de facto, fantástica. “Olá, eu chamo-me Patrícia e já não tenho emprego há 113 dias. Ando a fazer networking, volunteer working, linkedining e cv sending.”
– “OLÁ, PATRÍCIA!”
Encontro-me com pessoas de vários ramos, empresas e estados de espírito, em diferentes fases do processo de desmame, de desintoxicação, recuperação e recomeço. Participo bastante. Não por ser desinibida, mas porque quando estou sob pressão, falo que me desunho, digo disparates, piadas de mau gosto, desabafos de escárnio e mal dizer. Faz parte da muralha que rodeia o meu castelo.
Não querendo parecer sádica, mas acabando por sê-lo, vou-me animando com a desgraça dos outros. Quer isto dizer que há sempre pessoas em pior estado do que nós, em negação, em estado catatónico. Eu já tenho consciência que sou um sem-abrigo profissional, muito embora continue a frequentar os meus já habituais estágios extra-curriculares em toyscatching, housecleaning, dogwalking, husbandkissing, childhugging e friendshipcaring. E olhem que não me sobra tempo para um scratching.
- Mãe, tens sempre razão!
Tudo o que disseres, será usado contra ti em toda e qualquer situação futura. Há lá coisa melhor para uma mulher do que um homem (ainda que pequeno em idade e tamanho) dar-lhe razão! Melhor, só sexo e chocolate! Bom, à maneira do Relvas, eu consigo dar-lhe equivalências…
Numa tarde soalheira, uma mãe que ia buscar o seu filho à escola dirigiu-se a uma auxiliar e avisou:
- V., está ali uma menina a chorar a dizer que o namorado partiu para África!
A pobre V. suspirou. Era frequente. A M. tem cinco anos e chora sempre se lembra do grande amor da sua vida. Tinha apenas quatro anos quando se apaixonou perdidamente. Os dois conversavam, brincavam, comiam juntos. Ela já o tratava por marido. Era público e assumido pelas duas famílias. Um amor interrompido com a partida do amado para o ultramar, há já um ano.
Na turma do meu filho há mais rapazes que raparigas. Por isso, e para que nenhum fique triste, elas mudam de namorado mais ou menos de dois em dois meses. São elas que mandam, são elas que escolhem. Às vezes, escolhem entre elas e eles nunca chegam a saber da troca.
Nada muda com o crescimento. As mulheres continuam a mandar, a escolher e a trocar quando querem. Às vezes, eles nunca chegam a saber.
À pergunta se tem namorado, o meu filho responde-me: “Sou um homem solteiro!”. Mas eu sei que é forte a probabilidade de ter namorada e não saber.
Mas quem se mantenha fiél. Há quem tenha conhecido o amor da sua vida aos quatro anos. Há quem sofra por amor aos cinco anos. Acreditem ou não, o amor nasce livre e realmente não tem idade.
… seguramente, era uma lontra. São dos seres mais brincalhões do planeta, divertindo-se tanto na água ou numa encosta enlameada como a escorregar na neve. São animais essenciais ao equilíbrio dos ecossistemas onde habitam, mas estão ameaçadas de extinção. São bonitas, simpáticas, têm olhos e orelhas pequenos, cauda grande e patas palmadas. Conseguem chiar, assobiar e guinchar e gostam de marisco. Estão permanentemente a comer. Tudo porque, apesar de terem isolamento térmico, como estão muito tempo dentro de água, perdem imensa energia ao longo do dia. Têm o mesmo peso molhadas ou secas.
Portanto, à parte os bigodes, a farta penugem e o facto de eu não passar o dia inteiro na água (com muita pena), parece que que acabei de me descrever no parágrafo anterior. Mas ser uma lontra no começo da Primavera, e especialmente, com os dias soalheiros, não é propriamente o meu maior desejo. Diz-me que animal pareces, dir-te-ei quem és?!