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Lembram-se de jogar ao telefone avariado? É mais ou menos isto:
(Duarte) - Pai, está uma aranha no quarto.
Um segundo depois.
(Miguel) - Papá, o homem-aranha está no quarto!!!
Ser um país maioritariamente católico condenou-nos a sermos gente sofredora, pessimista e queixosa. O problema vem acompanhado de uma sombra maior que ele próprio e só com muito esforço vislumbramos a luz da solução.
Não raras vezes, a solução está ao lado, mas, qual personagem de uma fábula, está coberta por um manto, e só visível a quem se esvaziar de preconceitos.
Durante muito tempo, a minha impulsividade, verbal e física, foi um problema. Neste último ano, fiz uma depuração de sentimentos, uma lavagem de ideias e comecei a escrever um novo capítulo de espontaneidade, sem culpas.
Se as qualidades não chegam, a solução está ao lado: nos defeitos. Aprendi que não sou um modelo de virtudes para os meus filhos, mas assumir os meus defeitos e incapacidades e transformá-los é uma maior lição de vida do que exaltar qualquer qualidade que eu tenha.
O Carnaval é uma das piores épocas do ano. Quando era pequena recusava-me a ir mascarada para a escola e passava o santo dia a ouvir: “Coitadinha, aquela não tem máscara”. Para minimizar possíveis efeitos secundários muito traumáticos, faziam-me totós com papel higiénico. Isso sim, provocou-me alguns efeitos que podiam ter degenerado em tendências assassinas.
Continua a ser a pior época do ano. Tenho que pensar exaustivamente se este ano é espada ou flecha, se é guerreiro ou robot, se compro, se faço. Um entra e sai em todas as lojas de chineses num raio de cinco quilómetros. Compra, ajeita aqui, descose acolá. E tenho consciência que sou muitíssimo afortunada por não entrarem tiaras e brilhantes cá em casa!
Se eu pudesse, mascarava os meus filhos como este piqueno aqui em baixo: simples, fácil, com materiais baratos e reciclados e com a mensagem que que me está atravessada desde o tempo dos totós de papel: “Quero que o Carnaval se exploda!”
Miguel vê o Ronaldo na televisão, mas entretanto a imagem muda.
- Ro-nal-do, Ro-nal-do, Ro-nal-do!!!
- Não, este já é outro.
- Ou-tro, Ou-tro, Ou-tro!!!
- Mãe, agora vai dar na televisão a história de uma abelha e do seu amigo Willy. E a professora deles chama-se Kassandra!
... Rewind, rewind.... 12, 20, 30 e mais anos...
- Eu fico a ver contigo!
- Olha, agora vai dar os smurfs, quer dizer, os estrunfes!
... rewind...
- Ok, eu fico mais um bocado.
E quem é que faz o pequeno almoço hoje???
Philomena é um filme que nos revolve as entranhas. É espectacular como a aparente simplicidade da interpretação dá lugar a uma tremenda profundidade emocional e cria em nós uma empatia pegajosa. Fez-me não conseguir parar de chorar. Acho que há uma primeira vez para tudo.
Ou ando muito lamechas ou a Judi Dench ganha o Óscar. Ou ambas as duas!
A jogar mímica:
- Ok, Duda, desisto. Qual é a profissão?
- Otorrinolaringologista! Era óbvio!
Claro que era. Seis anos e dezenas de otites depois...
Há, pelo menos, duas coisas que podíamos tentar melhorar no ser humano no decorrer da primeira idade: o volume e o sentido de oportunidade (não, não vou falar de sono, mas já agora digo que desde que o pai voltou, o crianço deixou de dormir…).
Podíamos criar um ajustador de volume com bass e treble incluídos e possibilidade de mute, concedendo-lhes a caridade de continuar a desenvolver o raciocínio sem os escutarmos;
Podíamos desenvolver um neurotransmissor que permitisse ao cérebro tocar a sirene do chichi APENAS quando a córnea visualiza uma casa de banho;
Podíamos criar um back-up do sistema imunitário para que, em caso de falha, nunca ficássemos pendurados quando queremos sair de casa ou gozar umas férias descansados;
Podíamos inventar um filtro, semelhante ao do café, para as palavras e entusiasmos frásicos, evitando a consequente vergonha que nos fazem passar;
Podíamos escrever um manual de instruções, com os passo-a-passo acessíveis a qualquer idade e sexo (eu sei, seria difícil!), com desenhos, bonecos 3D, FAQs, kit promocional de primeira cria e workshops sobre “Como atingir a centena de decibéis sem ficar rouco", seguido de “Como atingir a centena de decibéis sem mostrar sinais de fraqueza”.
Mas isso seria modelar a vida e, felizmente, não o conseguimos fazer. As surpresas e os imprevistos estão para a nossa vida, como as rugas estão para o nosso rosto, são as histórias que temos para contar.
Ainda hoje, escrevia a uma amiga que na vida não vencem os mais inteligentes ou ambiciosos, mas os que melhor se adaptam às situações; Que, às vezes, temos que aceitar a vida como ela é, sem medo do rótulo de “resignação”. Aceitar a vida é dar valor ao que se tem. Não quer dizer que não se lute pelo que se quer, mas as armas vão mudando e a estratégia adapta-se.
Felizmente, contam-se pelos dedos de uma mão os dias em que parei para chorar. Valeram-me os minutos de escrita, valeu-me a família, valeram-me os amigos e todas as pessoas que experienciaram o desemprego e me deram força, valeu-me o voluntariado. O truque é esse: rodearmo-nos de gente querida e alegre, que não nos julga pelo ganhamos ou onde trabalhamos, mas pelo sorriso e missão.
A minha missão era trabalhar numa ONG, numa Instituição de Solidariedade Social, mudar a vida de alguém. Não sabia que para isso acontecer, teria primeiro que mudar a minha vida. Descobri como é trabalhar com sorrisos em vez de gráficos de produtividade, lidei com a alegria e a generosidade em vez da ambição por promoções. Descobri talentos escondidos na arca do meu ser. E um ano depois, num dos poucos dias em que parei para chorar, recebi a notícia de que o voluntariado pode transformar-se em emprego.
Às vezes, temos de aceitar a vida como ela é, com medos, recuos e avanços, mas sempre com alegria. Ser feliz é o nosso objectivo. Como lá chegamos, depende da nossa experiência de vida, da nossa vontade, de quem nos rodeia e da nossa missão.