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Remorços. Foi o que senti depois de saber que os meus pais passaram ontem o dia nas manifestações. Têm 70 anos e ainda se dão ao trabalho de sair de casa para mostrar a sua desilusão.
Estava um lindo dia de sol para passear e brincar ao ar livre, que aproveitei. Um lindo dia para celebrar a liberdade. Mas, felizmente, ainda há quem o use para mostrar indignação pela forma como essa liberdade está a ser utilizada.
Senti remorços porque não sou pessoa de me sentar no sofá a resmungar contra os políticos ou ver as manifestações de cerveja na mão. Sou pessoa de levantar o rabo e gritar até doer. As mentalidades mudam-se assim: em cada um de nós e na rua, a lutar por um mundo melhor.
Muitas vezes, só quando a crise nos afecta pessoalmente é que largarmos a inércia. Nunca vi tanta mala louis vuitton nas filas no centro de emprego. Pode ser que comece a vê-las também nas manifs.
A democracia chegou para dar às mulheres a liberdade religiosa, sexual, para dar-lhes acesso à educação e a (quase) todos os tipos de emprego, para poderem ter o direito de decidir se trabalham fora ou apenas em casa.
Quarenta anos depois, as universidades são habitadas por mais mulheres que homens, mas o acesso aos empregos ainda é controverso, os salários trinta por cento mais baixos e o fosso ainda maior quanto mais altas forem as habilitações. Há mais desempregadas do que desempregados e dessas, sessenta por cento são de longa duração.
Quarenta anos depois, voltamos a ver com frequência, mulheres que apenas trabalham em casa, mas mesmo quando trabalham fora, continuam a ser as principais responsáveis pelas lides da casa e a educação dos filhos.
Quarenta anos depois, percebemos que só nos últimos seis anos, triplicou o número de trabalhadores com o salário mínimo nacional, uma das grandes conquistas de Abril. No ano passado, cerca de um quarto da população estava em risco de pobreza.
Ainda me espanto com quem não defende o Estado Social, com quem não ajuda os seus semelhantes, com quem não partilha o que tem e vive lado a lado com a pobreza, de consciência trânquila.
A democracia está muito doente, mas longa vida à liberdade!
Se os meus filhos dormissem, eu não estaria a escrever a esta hora. Se a ditadura não tivesse acabado, eu não escreveria de todo. Em 2011, 46% dos portugueses consideravam que se vivia melhor antes do 25 de Abril do que na actualidade. O povo não confia nos partidos, nos políticos e políticas, tão pouco está disposto a sacrificar-se pelo Estado.
Vamos ser objectivos. Vamos fazer o exercício que costumo fazer quando tenho dúvidas, muito embora não seja este o caso. Pego num bloco e faço uma lista de vantagens e desvantagens. Vamos riscar o que não havia:
Liberdade
Paz
Direitos dos trabalhadores
Expressão pública de opiniões
Prisões cheias
Despedimento facilitado
Emprego
Cultura livre
Serviço militar de quatro anos
Escolas mistas
A mortalidade infantil rondava as 50 mil crianças, agora são 5 mil. O analfabetismo era de cerca de 30%, agora é de 10%.
O meu pensamento estacionou nas duas primeiras linhas. Imagino a minha vida sem liberdade e o meu marido na guerra. Queremos o que não temos e damos valor apenas quando o perdemos. O 25 de Abril foi a revolução dos cravos e dos escravos.
O que diriam estes 46% se conseguíssemos fazer marchar atrás no tempo? Nada, senão acabam nos calabouços de uma prisão, com um PIDE a tentar queimar-lhe o cérebro e a dignidade.