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Desde que saí do banco que não ponho uma “sandalita” chiche a não ser para jantar fora. As calças clássicas e os blasers foram ensacados e doados a quem precisa. Muito antes de eu saber o que o futuro me reservava, deitei fora tudo aquilo que me oprimiu durante muito tempo, demasiado tempo.
Os meus pezinhos, anteriormente de porco, ou porca, estão transformados em patas de elefante e gritam se tento colocá-los em qualquer plataforma que não tenha atacadores. Não, já não cabem num sapato inclinado.
As pernas, ah, essas, viciaram-se em ganga e eu não consigo contrariar.
Tive a sorte – há quem lhe chame destino – de voltar a trabalhar, sem as amarras nos pés ou nas pernas, mas também na cabeça e no coração. Nem tudo é bom, mas o principal é que salto da cama a ansiar por um dia de trabalho. E isso já não acontecia há muitos anos.
Um ano e meio se passou... e o primeiro dia de trabalho é já amanhã (hoje).
Cada um tem o que merece. Nem sempre na altura apropriada.
As saudades são do convívio, não do trabalho, não da profissão muito menos da empresa. Para isso, borrifo-me.
Ainda me cruzo muitas vezes – demasiadas - com pedantes, com narizes arrebitados, com os que só respiram trabalho, com os que vivem noutro mundo, no mundo do “nunca fui despedido e não vou ser porque sou muito bom e essas coisas só acontecem a quem não dá o litro”. Ainda tenho muitas ânsias de espancamento.
A família é o nosso pilar, não o trabalho. Se este faltar, temos o apoio da família. Mas se algum dia a família desaparecer, depressa percebemos quanto nos respeitam no trabalho.
Há um ano atrás, sonhava em fazer o que gosto. Só assim vale a pena mudar de vida. E pena tenho eu dos muitos que não o conseguem.
Estou prestes a realizar um sonho: fazer o que gosto, perto de pessoas que sempre me receberam de braços abertos e sorriso pronto. Quero fazer a diferença no dia de alguém, quero arrancar um sorriso, um pensamento bom ou contribuir para um todo único. Poderá algum dia o trabalho converter-se numa segunda família?!
Quarto dia da formação e já falto. Mau! Isto não augura nada de bom. Sou bem capaz de ter que fazer directa para apanhar a matéria dada no meu maravilhoso curso de como tratar de idosos.
Tive uma reunião mais importante do que aprender a lavar as mãos e manter uma bata limpa e, para além disso, tenho um crianço em casa com escarlatina e uma convocatória do CE para escolher outro curso (vou ter que levar o puto escarlatinoso comigo...).
Para quem não sabe, se dermos mais do que duas faltas num curso promovido pelo IEFP, chumbamos e ou temos que repeti-lo, ou ficamos sem sustento. Uma falta já cá canta. Vá, despenteiem-me!!!
Ainda mal comecei estas aulas e já me marcam outras, que me ocuparão todo o Verão. Claro que é de propósito. Nessa altura, já não terei subsídio, mas, para não faltar, terei que prescindir de férias e gastar dinheiro em gasolina e ATLs. Desempregado não tem férias, desempregado tem que deprimir!
Amanhã é outro dia e já estou ansiosa. É que a malta da formação acabou de se conhecer e já passa metade do tempo a combinar a grande patuscada que vai fazer no último dia. E ainda faltam dois meses. Eu fiquei de levar minis. Só podia.
Desempregado tem que ser mais forte do que o sistema…
Um smartphone é o melhor amigo do homem, da mulher, dos estudantes. Não sei se duraria dois dias nesta formação sem um. Percebo agora os jovens que insistem em levar o telemóvel para a sala de aula. É de extrema necessidade e suma importância!
Lembro-me dos tempos de liceu, sentada na última mesa com a cabeça noutro mundo, a tentar passar despercebida, até as lágrimas de riso me traírem.
É uma seca desde o primeiro ao último minuto. O meu filho em casa, a arder em febre e eu a jogar num telemóvel para passar o tempo, com um barulho de fundo que se assemelha a uma formação, à qual me obrigam a ir e a fingir que gosto. É quase pecado!
Valem-me os poucos jogos que tenho e uma mala grande que esconde o ócio. Valem-me as pessoas que passei a conhecer, com vidas bem mais complicadas do que a minha e recordes difíceis de bater, como ter 24 irmãos. Sim, há uma criatura com mais irmãos do que o total da minha família.
Eu cá, ando a tentar bater o meu recorde pessoal na Sopa de Letras. Estou convicta de que amanhã é O Dia.
Primeiro dia de curso. Chato, ou melhor, chatinho, que a formadora adora “inhos”. Não há pior do que pessoas que falam em “inhos” (a formaçãozinha, está na horinha, vamos ao cafezinho, fazer um chichizinho). Quer dizer, até há: os casais que depois de tornarem pais, se tratam por Pai e Mãe.
Bom, primeiro dia, há sempre alguém quase a adormecer. Eu tento sentar-me ao lado de alguém que tenha cara de quem gosta de jogar à forca, o meu jogo preferido nas formações. Hoje não tive grande sorte. Fiquei-me pelos desenhos rupestres.
Dizem que há aulas práticas. Não consigo imaginar como serão. Nem quero. Deixem-me jogar à forca!
Se tudo tivesse corrido bem, esta semana estaria a esquiar em Andorra. Há dois anos não fui porque o Miguel nasceu. No ano passado ainda estava em choque por ter ido para o olho da rua.
Quis o destino, ou os astros ou os senhores da natureza, os deuses ou o deus sozinho, que estivesse em Portugal para receber uma notificação do Centro de Emprego. SURPRESA! Formação para aprender a mudar fraldas a idosos e… vai começar… AGORA!
Se estivesse em Andorra, teria ficado sem subsídio e sem inscrição no CE. A única semana do ano em que não estaria cá.
Começa a ser fácil perceber como e porquê oscila a taxa de desemprego em Portugal: há o desemprego sazonal (onde os algarvios são mestres), há os maravilhosos contratos com o apoio do IEFP que permitem às empresas contratar um sem número de pessoas durante seis ou doze meses, que depois são dispensados e substituídos por outros. Enquanto vão e voltam, saem das estatísticas.
Depois existem as manobras desprezíveis do IEFP, como esta, de mandar uma carta com 1 ou 2 dias de antecedência para se apresentar nalgum lado, sob pena de ficar sem sustento.
As ofertas formativas são inadequadas ao nível de desemprego e ao tipo de desempregado que circula por aí – que vai do 6º ano de escolaridade ao mestrado – e datam dos anos 90.
E não vamos falar da emigração. Por cada jovem que sai do país, é menos um número que entra no gráfico.
A partir de Segunda-feira, vou aprender a tratar de velhos com um grupo de pessoas que, como eu, estão ali contrariadas, com vontade de desistir e mandar o CE às urtigas. Mas não mandamos, porque é exactamente isso o que eles querem, para ver se saímos das estatísticas.
Ainda hoje, escrevia a uma amiga que na vida não vencem os mais inteligentes ou ambiciosos, mas os que melhor se adaptam às situações; Que, às vezes, temos que aceitar a vida como ela é, sem medo do rótulo de “resignação”. Aceitar a vida é dar valor ao que se tem. Não quer dizer que não se lute pelo que se quer, mas as armas vão mudando e a estratégia adapta-se.
Felizmente, contam-se pelos dedos de uma mão os dias em que parei para chorar. Valeram-me os minutos de escrita, valeu-me a família, valeram-me os amigos e todas as pessoas que experienciaram o desemprego e me deram força, valeu-me o voluntariado. O truque é esse: rodearmo-nos de gente querida e alegre, que não nos julga pelo ganhamos ou onde trabalhamos, mas pelo sorriso e missão.
A minha missão era trabalhar numa ONG, numa Instituição de Solidariedade Social, mudar a vida de alguém. Não sabia que para isso acontecer, teria primeiro que mudar a minha vida. Descobri como é trabalhar com sorrisos em vez de gráficos de produtividade, lidei com a alegria e a generosidade em vez da ambição por promoções. Descobri talentos escondidos na arca do meu ser. E um ano depois, num dos poucos dias em que parei para chorar, recebi a notícia de que o voluntariado pode transformar-se em emprego.
Às vezes, temos de aceitar a vida como ela é, com medos, recuos e avanços, mas sempre com alegria. Ser feliz é o nosso objectivo. Como lá chegamos, depende da nossa experiência de vida, da nossa vontade, de quem nos rodeia e da nossa missão.
Já não falta muito para ficar sem subsídio de desemprego e a esperança de encontrar um trabalho que, simultaneamente, me sustente, me dê prazer e seja minimamente compatível com o horário das crianças, é quase nula.
Hoje fui a uma sessão de esclarecimento sobre formações do IEFP, daquelas para fazer número e justificar o maravilhoso ordenado das doutoras que por lá se passeiam. Não apareceram. É a triste realidade: mandam-me uma carta a dizer que a não comparência dá direito a um tau-tau e à retirada do subsídio, mas as senhoras podem faltar sem consequências. E ainda perguntam porque é que o país chegou onde chegou.
Acabámos por ser atendidos por alguém que claramente não estava habituado a fazer duas coisas ao mesmo tempo (até porque era homem!) e muito menos a lidar com o drama de gente - escolhidos (pareceu-me) segundo o critério das habilitações – que ganhava bem e agora vê-se confrontada com a geração 600.
A maioria eram mulheres, mais de metade em casa com filhos com menos de 2 anos. Uma delas ousou mesmo levar a criatura de seis meses para a sessão. Quem já teve que falar para uma plateia, ao som de gugu-dádás?
Aprendemos que devemos estar disponíveis para ter formação das 8 da manhã às 8 da noite. Se temos carro, boleia, transportes compatíveis, escolas abertas de madrugada, pouco importa.
Alguém me perguntou um dia, e hoje voltei a cheirar a insinuação no ar,: “A criancinha não tem avós?!”. Até tem, mas não são eles que têm a obrigação de assegurar a sua entrega e recolha no depósito de bebés.
É por estas e por outras que hoje em dia temos filhos quase com idade para sermos avós e que a taxa de natalidade faz vôos picados. Daqui a 15 anos, vamos começar a pagar a factura.
Este mês – pela primeira vez – ainda não tenho o número de currículos enviados para alimentar a besta devoradora do IEFP. Dou por mim a pensar se qualquer dia não se lembram de mandar tatuar o número de desempregado no braço e obedecer ao recolher obrigatório. Ou então, exigir o envio dos comprovativos de onde gastámos o dinheiro dos contribuintes.
Eu digo: escolas e comida. É para onde vai o meu dinheiro. Pus em prática, neste último ano, todos os truques de poupança nas compras para a casa. Resulta.
Também aprendi a fazer as minhas próprias prendas, descobrindo um lado muito feminino e jeitoso que não sabia que tinha. Afinal, temos sempre jeito para alguma coisa. E, em tempos de crise, a imaginação tem mais espaço e tempo para começar a crescer. A necessidade gera ideias, a escassez espicaça a criatividade. E nós desenvolvemos um “eu” que vivia encolhido a um canto do nosso ser.