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Ter uma criança com um problema comportamental em casa é das coisas mais cansativas. Chegamos ao final de cada dia, de cada semana, de cada mês, com a sensação de nos terem sugado a inteligência, a paciência, o bom senso, as cordas vocais, o espírito.
Não há silêncios, nem pó que assente nas cadeiras. Tudo está em permanente movimento: pernas, braços e cérebro. Repete-se a mesma ordem trinta vezes, explica-se tudo, porque tudo tem de ser muito bem explicado, desde onde se vai até ao porquê de se ir. As rotinas alteradas são trabalhos redobrados. Tudo tem que ser da mesma forma, se possível, à mesma hora.
Finalmente, deitamo-nos. No nosso caso, a noite, não raramente, assemelha-se a uma aula de aeróbica. Sabemos que o dia seguinte começa às seis da manhã. Mais coisa, menos coisa. Dias há em que não sabemos onde acaba a noite e começa o dia.
Hoje estou esgotada no meu corpo e espírito. Preciso de um vinte e cinco de Abril urgente.
Faz hoje seis anos. Tem, portanto, a aparência de uma criança, mas o cérebro de um pré-adolescente em permanente conflito entre a sua parte muito Noddy e outra muito Morangos com Açucar. Eu prefiro o lado Noddy. Cada coisa a seu tempo e há muito trabalhinho pela frente no que respeita à sua inteligência emocional.
Há uns meses que andava muito preocupada porque o meu Duda andava a ouvir mal. Toca a gastar dinheiro em exames, que o histórico auditivo assim o justifica. Nada. 100 % limpinho. Mas o sacana continua a ouvir mal.
Finalmente, consegui descobrir a maleita. O meu filho desenvolveu “surdez selectiva”. É muito comum nas crianças. Ouvi dizer que também atinge os adultos do sexo masculino e, por vezes, mulheres, mas apenas se tiverem noras. Não consegui obter literatura suficiente sobre o tema, mas parece-me que vamos lá com a prática.
Vou começar a treinar a minha surdez selectiva com muita disciplina – com direito a recompensas de chocolate e abanicos de rabo – para ver se nos entendemos melhor.
Parabéns, fofo!
Sentado no sofá a ver um programa sobre animais.
- “Os koalas dormem cerca de 18 horas por dia”.
Salto do sofá. Eureka!
- Mãaee! Vamos levar o mano para viver com os koalas e aprender a dormir!!!
Por mim tudo bem. Já pensei em coisas piores. Ok, o mano vai para os koalas, tu vais viver com os diabos da Tasmânia e eu e o pai vamos curtir um mês na Oceânia. Parece-me justo.
- Pai, diz-me uma coisa sobre o Camões.
- Era zarolho.
Lá está a capacidade de síntese dos homens, a objectividade, a forretice no uso das palavras. Mas principalmente a capacidade de se cingirem àquilo que se lhes pede. Um pede "uma coisa" sobre o Camões, o outro dá-lhe realmente SÓ uma coisa. Só posso botar um laike nisto.
Foi descoberto um novo planeta, um exoplaneta, o mais leve fora do nosso sistema solar. Também há cada vez menos dúvidas de que Marte teve água. E onde há água, há vida. Portanto, tudo parece convergir para a certeza de que não estamos sós nesta Via.
Há meses que o meu filho nos diz que a nossa lenga-lenga dos planetas não está correcta, que Plutão já não existe. Um dia destes, perguntou-me: “Acreditas em aliens?”
Uf, pensei que ia questionar a minha crença religiosa! É tão fácil de responder, mas tão difícil de justificar sem deitar por terra grandes e antigas teorias da conspiração. Esta sim, é fácil!
-Sim, claro! Não estamos sozinhos. Haverá algures um planeta com seres vivos, pequenos, grandes, com duas cabeças ou cinco pernas, mas haverá alguém por aí, como nós!
Acho que fui convincente porque não perguntou mais nada. Será ainda cedo para iniciá-lo nos X-Files?! Pelo sim, pelo não, vai começar a ouvir a musiquinha...
Ando num dilema cá em casa. Um dilema futebolístico. Sou do Sporting com muito orgulho e devoção. Só nutro tamanha devoção pela saga de George Lucas. O Luís é do FCP. O rapaz tem tantas qualidades e tão importantes para o bom funcionamento da nossa relação, mas não sei o que lhe deu para ser do Porto! Mas como não é tão devoto como eu, a relação gere-se, e conseguimos mesmo falar (quase) amigavelmente sobre o assunto.
Quando o Duarte nasceu achei que não devia impor-lhe uma fé. Nenhuma mesmo. Mas há coisa mais fortes do que nós e tantas outras há que não correm como os pais planeiam. Aos dois anos sabia de cor as músicas de Star Wars, por imposição clara da mãe, e cantava no banho as músicas da claque leonina, por acaso. Tem bom ouvido.
Aos cinco, mordeu-lhe a pulga. Virou devoto convicto de Jesus. Converteu-se ao Benfiquismo, com uma devoção que nem mãe nem pai compreendem, nem conseguem estancar. Desenganem-se aqueles pais que dizem que conseguem levar os filhos a fazer o que querem e a ser o que sonharam. Se conseguem, é pura sorte.
Desenganem-se também os que – como eu – acham-se muito liberais ao ponto de dizerem: “O meu filho será o que quiser! É livre!”. Será o que quiser DESDE QUE NÃO SEJA DO BENFICA NEM DO FCP. É livre se for do Sporting e gostar de Star Wars. A liberdade dele começa aí. Ponto final, parágrafo.
Mas tirando isso, eu sou muito liberal.
Hoje é o primeiro dia do resto da vida social do meu filho. Vai dormir fora de casa pela primeira vez. Bom, não é bem pela primeira vez: já dormiu muitas vezes em casa dos avós. É a primeira vez que o faz fora de casa da família. Vai com os amigos, de saco-cama e pijama às costas.
Não, não estou ansiosa, estou com pena dos amigos e dos adultos que os acompanham e com toda a gente que se possa cruzar com ele naquele sítio. Claro que não vou dizer que ele acorda às seis da manhã. SUR-PRE-SA!!!
Está oficialmente aberta a idade da galdeirice.
Foi com emoção que hoje matriculei o meu filho no 1º ano. Parece que ainda ontem me chamava Almeida, ainda ontem dizia que Duarte Vader era o grande senhor do império Star Wars, ainda ontem achava que o Real Madrid era um clube português. E continua a achar… ou então, o Ronaldo é espanhol. A verdade passeia-se entre estas afirmações, isso é certo!
Está grande, mija de pé, faz a cama sozinho, ajuda-me a lavar a loiça, encontra as aberturas fáceis em todas as embalagens, antes que eu as espanque. Enfim, um crescido.
Agora vai sair das calças da mãe para outra dimensão, vai voar mais além e aprender que o mundo é um T0. Somos muitos e diferentes, mas partilhamos todos a mesma casa.
Numa tarde soalheira, uma mãe que ia buscar o seu filho à escola dirigiu-se a uma auxiliar e avisou:
- V., está ali uma menina a chorar a dizer que o namorado partiu para África!
A pobre V. suspirou. Era frequente. A M. tem cinco anos e chora sempre se lembra do grande amor da sua vida. Tinha apenas quatro anos quando se apaixonou perdidamente. Os dois conversavam, brincavam, comiam juntos. Ela já o tratava por marido. Era público e assumido pelas duas famílias. Um amor interrompido com a partida do amado para o ultramar, há já um ano.
Na turma do meu filho há mais rapazes que raparigas. Por isso, e para que nenhum fique triste, elas mudam de namorado mais ou menos de dois em dois meses. São elas que mandam, são elas que escolhem. Às vezes, escolhem entre elas e eles nunca chegam a saber da troca.
Nada muda com o crescimento. As mulheres continuam a mandar, a escolher e a trocar quando querem. Às vezes, eles nunca chegam a saber.
À pergunta se tem namorado, o meu filho responde-me: “Sou um homem solteiro!”. Mas eu sei que é forte a probabilidade de ter namorada e não saber.
Mas quem se mantenha fiél. Há quem tenha conhecido o amor da sua vida aos quatro anos. Há quem sofra por amor aos cinco anos. Acreditem ou não, o amor nasce livre e realmente não tem idade.
Sou formal e abertamente contra os trabalhos de casa. Acho que são uma forma muito subtil e irónica de os professores se vingarem dos pais. Porquê? Porque os vão buscar tarde, porque não aparecem nas reuniões de pais, porque não acompanham os filhos como é devido. Porque subestimamos esta classe essencial para a sociedade, muito dada a tentar que pais e filhos se superem diariamente.
Ando há uma semana de volta de um dragão construído com materiais recicláveis. Podia ter optado por um desenho em cartolina, mas achei que se era para brilhar que fosse em 3D. À grande! Portanto, quanto maior o projecto, maior a queda…
Nunca tive positiva em trabalhos manuais. Era o Aquiles do meu calcanhar. Todos concluíam uma casinha de madeira. Eu andava o ano todo para fazer a janela ou a porta. Pediam-me 10 trabalhos para poder subir a nota. A única nega a manchar o curriculum. Quem foi o diabo que decidiu que estas disciplinas deviam contar para nota?! Ninguém pode ter jeito para ginástica, matemática, química, inglês e trabalhos manuais, de igual forma, POIS NÃO?!?!
Desde que o meu filho está na escola, dou comigo a guardar rolos de papel higiénico ou a comprar tintas na loja do chinês, com um entusiasmo assustador. Estou aqui, estou a fazer workshops de patchwork. Bahh, antes beijar um defensor de TPCs!!!